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Letters For Black Lives
Letters for Black Lives
5 min readJun 8, 2020

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This is the Brazilian Portuguese version of the open letter created by Letters for Black Lives, an ongoing project for people to create and translate resources on anti-Blackness for their communities in solidarity with #BlackLivesMatter. The letter was written and translated collaboratively by hundreds of people who want to have honest and respectful conversations with their parents about an issue important to them.

Precisamos conversar,

Talvez você não tenha muitos amigos, colegas, ou conhecidos negros, mas eu tenho. Pessoas negras são uma parte fundamental da minha vida. Eles são os meus amigos, vizinhos e família. Hoje, eu estou preocupado/a com a segurança deles.

Recentemente, em Minnesota nos Estados Unidos, um policial branco matou um homem negro chamado George Floyd ajoelhando no pescoço dele por quase 9 minutos. Os policiais ignoraram os seus gritos repetidos de que não conseguia respirar. Dois policiais ajudaram a prendê-lo no chão, enquanto um outro policial observou mas não interviu. O George Floyd não está sozinho. Já este ano, policiais mataram Dreasjon Reed em Indiana, Tony McDade na Flórida, e Breonna Taylor no Kentucky. Um ex-policial também matou Ahmaud Arbery na Geórgia.

Não podemos ignorar o fato de que essa violência policial contra pessoas negras também existe no Brasil em uma escala ainda maior (a polícia brasileira matou 17 vezes o numero de pessoas negras que os Estados Unidos em 2019). As desigualdades sociais no país são enormes e a realidade das pessoas que vivem nas favelas são precárias, não só pela falta de recursos básicos mas também pela grande presença militar e policial agressiva. Apenas no mês de abril a polícia do Rio de Janeiro matou 606 pessoas, mesmo com medidas de isolamento social fazendo com que roubos e outros crimes caíssem, a violência policial subiu 43% em relação ao mesmo período ano passado.

Um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos no Brasil. Em maio mataram João Pedro, de 14 anos, em uma ação onde 3 policiais invadiram a casa em que o menino brincava com seus primos e dispararam mais de 70 tiros. Três dias depois policiais mataram Rodrigo Cerqueira quando abriram fogo contra o jovem e seus colegas de pré-vestibular que estavam distribuindo cestas básicas para a comunidade. Como eles temos Agatha Felix, Ana Carolina de Souza Neves, Katellen Umbelino e inúmeros outros. A realidade é que 75% das pessoas mortas pela polícia no Brasil são negras.

Na grande maioria das vezes, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, os policiais envolvidos não sofrem nenhuma consequência pelo assassinato de pessoas negras, mesmo quando tem uma ampla cobertura da mídia. Imagine quantos outros incidentes acontecem sem serem gravados ou vistos.

Essa é uma realidade horrível que as pessoas negras que eu amo encaram todos os dias.

Talvez você esteja pensando: nós também somos uma minoria aqui. Nós conseguimos vir para os Estados Unidos com nada e construir boas vidas apesar da discriminação, então por que eles não conseguem?

Eu quero compartilhar com vocês como eu vejo as coisas. Estou dizendo isso com amor, porque eu quero que todos nós, incluindo eu mesma, façamos melhor.

Normalmente, quando nós caminhamos nas ruas as outras pessoas não nos veem como ameaças. Nós não saímos de casa sem saber se vamos retornar no fim do dia. Nós não temos medo de morrer se formos acostados pela polícia.

Esse não é o caso para os nossos amigos negros.

A grande maioria das pessoas negras foram vendidas como escravas e trazidas até aqui contra suas vontades (o mesmo aconteceu no Brasil, na verdade o Brasil teve mais pessoas escravizadas do que qualquer outro país). Durante séculos suas comunidades, suas famílias e seus corpos foram abusados como propriedades para lucro. Mesmo depois da escravidão o governo não permitiu que construíssem suas vida — legalmente os negaram o direito de votar, de obter uma educação, ou ter casa própria e negócios. Essas desigualdades são reforçadas pela polícia e por prisões — que são evoluções diretas das patrulhas de caça de escravos e plantações. Pessoas negras estão sob constante ameaça de violência e isso continua até hoje. A opressão deles não acabou; somente mudou de forma.

Pessoas negras não só persistiram mas também perseveraram contra todas as adversidades. Eles foram espancados pela polícia, presos, e mortos enquanto lutavam para adquirir muitos dos direitos que nós aproveitamos hoje. Mesmo em um sistema injusto, organizadores negros nos ajudaram a acabar com leis injustas de imigração e de segregação racial para todos nós.

Embora tenha havido progresso, esse sistema injusto ainda está ganhando. Ao longo de centenas de anos, o nosso governo ainda está matando pessoas negras e saindo impunes.

Eu entendo que você pode estar preocupado e assustado com o os saques e a destruição de propriedades que você está vendo. Mas imagine o quanto iria te machucar ver outras pessoas expressarem mais preocupação por bens materiais substituíveis do que pelas vidas de pessoas que você ama. Como você deve estar machucado para protestar dessa forma no meio de uma pandemia. Imagine o cansaço de lutar contra a mesma violência de estado que seus antepassados lutavam.

É por isso que eu apoio o movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam)

Parte desse apoio significa falar quando eu vejo pessoas na minha comunidade — ou até na minha própria família — dizendo ou fazendo coisas que diminuam a humanidade de pessoas negras. O nosso silêncio tem um custo e nós precisamos falar sobre isso.

Sou eternamente grato/a pelas dificuldades que você enfrentou em um país que nem sempre foi gentil com você. Nós fomos culpados por trazer pobreza, doenças, terrorismo e crime. Você sofreu com uma América preconceituosa para que eu pudesse ter uma vida melhor.

Mas essas dificuldades também fazem ser mais claro do que nunca que estamos todos juntos nessa, e que não podemos nos sentir seguros até que nossos amigos, queridos e vizinhos negros estejam seguros. O mundo que buscamos é um lugar onde todos podem viver sem medo. Esse é o futuro que eu quero — e eu espero que você também queira.

Com amor e esperança,

Seus filhos e filhas

Translated by:

  • Luma Guarçoni
  • Juliana Oliveira

Esta é a versão em português da carta aberta criada pelo Letters for Black Lives (Cartas pelas Vidas Negras), um projeto contínuo para pessoas criarem e traduzirem recursos sobre o racismo para suas comunidades em solidariedade com #BlackLivesMatter / #VidasNegrasImportam. A carta foi escrita e traduzida em colaboração por centenas de pessoas que desejam ter conversas honestas e respeitosas com suas famílias sobre um assunto importante para elas.

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